‘The Book of Mormon’ sai do campus e cai nas graças do público

Por Rodrigo Vianna

Cena de “The Book of Mormon” (Foto: Reprodução/Internet)

Pode parecer exagero, mas qualquer adjetivo que eu possa atribuir será pouco para descrever o musical “The Book of Mormon”, estrelado por alunos da Universidade do Rio de Janeiro (Unirio). Escrito por Trey Parker e Matt Stone, criadores da comédia de animação South Park, a versão universitária estreou em dezembro do ano passado, dentro do campus. O sucesso foi tanto, que não demorou para surgir convites para apresentações fora do ambiente acadêmico. E foi o que aconteceu. “The Book of Mormon” se tornou o novo xodó do público carioca.

A prova disso pôde ser vista nestes dois últimos fins de semana, quando o espetáculo se apresentou em curta temporada na Grande Sala da Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste. A nossa equipe conferiu de perto essa superprodução acadêmica, digna de um espetáculo da Broadway, na sexta-feira (30). Para quem ainda tinha dúvidas do sucesso da montagem, era só dar uma olhada do lado de fora do teatro. Desde cedo, o público fez filas pela Cidade das Artes em busca de uma senha. Sim, por conta dos direitos autorais e por se tratar de um projeto de pesquisa, a entrada era franca.

(Foto: Flávio Dantas)

O espetáculo faz parte do projeto Teatro Musicado, coordenado pelo professor Rubens Lima Jr. É a sétima peça encenada dentro do projeto, que já levou para a Unirio títulos como Spamalot, do grupo Monthy Pyhton, Rocky Horror Show, de Richard O´ Brien, e Cambaio, de Chico Buarque e Edu Lobo. Vencedor do prêmio Tony de melhor musical em 2010, “The Book of Mormon” conta a história de dois jovens missionários mórmons enviados à África, com a missão de evangelizar os habitantes locais. A peça é considerada polêmica, por conter linguagem forte e sem preocupação de ser politicamente correta.

Talento promissor
O elenco é formado por estudantes da Unirio – a maior parte do Teatro, mas também de outros cursos – e de outras instituições federais, como a UFRJ e a UFF. Aliás, o elenco é, de fato, o ponto alto do espetáculo. Os jovens atores parecem se divertir no palco, dão a segurança ao público, prendendo a sua atenção. Enquanto alguns atores experientes soam imaturos e falsos sobre o palco, o elenco de “The Book of Mormon” dá uma aula de interpretação. Não é por menos. Além de atuar e dar vida aos personagens, o elenco participa de toda a montagem do espetáculo, com a supervisão de professores da Escola de Teatro. 

(Foto: Reprodução/Internet)

Os destaques ficam por conta da dupla protagonista: Hugo Kerth e Leo Bahia, que interpretam os missionários Elder Price e Elder Cunningham. A química entre os dois é nítida e foi uma sacada do diretor na escolha dos personagens. Ao lado do inseguro Elder Cunningham, Elder Price chega a uma aldeia paupérrima e violenta em Uganda para converter os habitantes. A tarefa dos atores não é fácil. Eles precisam dar conta de uma enxurrada de piadas politicamente incorretas sobre religião, raça e sexualidade e ainda encarar dois solos. Atuais e talentosos, sim, eles dão conta do recado fácil.

Coreografias
Outro ponto forte da montagem acadêmica são as coreografias, assinadas pelo ator e coreógrafo Victor Maia, ex-aluno da Unirio. Do jazz ao sapateado, os números ajudam a contar a histórias e fazem um passeio cultural em sintonia com o texto. Um dos pontos altos é o número “Hasa diga eebowai”, com o núcleo Uganda, onde os atores mesclam passos afro com dança moderna. O que se vê não são apenas atores, mas atores-bailarinos-cantores (apesar de eu não gostar dessa nomenclatura, já que para mim, um ator completo é aquele que consegue unir as três artes).

(Foto: Flávio Dantas)

Montar uma versão nacional e acadêmica de “The Book of Mormon” não é uma tarefa fácil. Para você ter uma ideia, desde a sua estreia na Broadway, em 2011, o musical já arrecadou US$ 221 milhões. Em entrevista ao jornal O Globo, o diretor Rubens Lima Jr. considerou como “grande desafio” se apresentar na Cidade das Artes. Concordo com ele quando diz que o local é de difícil acesso, mas a estrutura da Grande Sala é, sem querer abusar do trocadilho, “espetacular”.

“Há sete anos desenvolvo um trabalho com os alunos sobre o humor dentro dos musicais. Já fizemos um texto do “Monty Pithon”, por exemplo. Eu vi “The Book of Mormon” na Broadway. Lá, eles são bem mais técnicos do que nós. É um roteiro genial, tem humor, palavrões”, disse Rubens Lima Jr. ao caderno RioShow, do O Globo, completando: “As peças da UniRio sempre tiveram filas e gente da classe artística querendo vê-las. Mas o fato de muita gente voltar pra casa é interessante. E o boca a boca forte que aconteceu.”

(Foto: Flávio Dantas)

Convidados ilustres
Desde a sua estreia, “The Book of Mormon” já foi assistido por gente de todos os cantos do Rio de Janeiro e recebeu convidados ilustres, como os diretores Dennis Carvalho, João Fonseca e Charles Moeller. Recentemente, os atores receberam a visita da atriz Fernanda Montenegro, que fez questão de subir ao palco no fim do espetáculo.  No mesmo dia, foram as atrizes Lilia Cabral e Alessandra Maestrini. Foi um momento único para os atores que puderam estar no mesmo palco, mesmo que não em cena, com uma das maiores atrizes brasileiras.

(Foto: Flávio Dantas)


Com tradução de Alexandre Amorim, a versão acadêmica de “The Book of Mormon” encerrou a sua temporada na noite de sábado (31), na Cidade das Artes. Vale destacar o esforço João de Freitas Henriques em se criar um belo cenário e figurinos realistas, com pouca verba. Se já não é fácil colocar um espetáculo em circuito, imagina um projeto acadêmico? Mas sim, “The Book of Mormon” consegue o que antes parecia ser impossível, lotar uma sala de teatro de mais de 1200 lugares com um espetáculo simples, sem rostos famosos e, acima de tudo, feito com prazer, como se amanhã foi um dos últimos dias.